Viagem de locomotiva para manutenção inclui caronas e troca de ferrovias

Para quem vê de longe, parece fácil, mas não é. Levar uma locomotiva que opera trechos turísticos para manutenção é uma tarefa praticamente hercúlea caso os reparos não possam ser feitos no próprio local em que ela fica guardada.

Como em muitos casos a ferrovia fica em lugares com trilhos sem conexão com o destino, o transporte até a oficina ou é feito integralmente em caminhões ou a locomotiva é levada até a linha férrea mais próxima para que consiga chegar ao centro de manutenções.

Foi o que ocorreu com a locomotiva que a ABPF (Associação Brasileira de Preservação Ferroviária) utiliza no Trem de Guararema, por exemplo. Após o governo de São Paulo ampliar em março as restrições devido à pandemia, a associação resolveu levar a locomotiva para manutenção, que já teria de ser feita neste ano.

Por isso, ao contrário de outros roteiros, que retomaram as atividades neste final de semana após flexibilização das medidas, Guararema (a 80 km da capital) segue com o funcionamento interrompido.

A locomotiva utilizada na rota foi levada para Araraquara, distante 333 quilômetros, para passar por manutenção nas oficinas da concessionária Rumo. E como ela chegou lá?

Primeiro, rodou por conta própria até Jundiaí e, da cidade a Sumaré, foi de “carona” com uma composição da concessionária MRS. Em Sumaré, foi a vez de pegar outra carona, mas agora com um trem da Rumo.

“É uma jornada e tanto levar a máquina para Araraquara, tem de atravessar três ferrovias. É uma operação de guerra, um pinga-pinga para fazer chegar e agora tem a jornada de volta, que vai ser uma loucura também”, disse o presidente da ABPF, Bruno Crivelari Sanches.

Outro exemplo da dificuldade das operações foi o transporte feito sobre um caminhão, por rodovias, de uma locomotiva a diesel, também da ABPF, que deixou Campinas para ser usada no Trem Republicano, entre Itu e Salto.

“O maior desafio nosso é fazer o turista, o visitante, entender que o passeio de Guararema ao distrito de Luis Carlos no fim de semana é a parte mais fácil do negócio. O difícil é de segunda a sexta-feira”, afirmou.

O Trem de Guararema foi inaugurado em 16 de outubro de 2015 e é operado pela regional Sul de Minas da ABPF. Ele passa em áreas com mata atlântica e o roteiro é feito praticamente todo na zona rural da cidade, até chegar à estação Luis Carlos.

São utilizados na rota três carros de passageiros de madeira, fabricados na Inglaterra entre 1896 e 1937, além de um carro Caboose (panorâmico), de 1973. O roteiro tem duração total de duas horas.

Segundo o presidente, as manutenções pesadas poderiam esperar, mas a paralisação das atividades em março determinada pelo governo estadual apareceu como a oportunidade para a tarefa. Não há nenhuma locomotiva em Guararema hoje.

Não há previsão exata, independentemente da pandemia, para o retorno das operações do trem turístico, mas Sanches disse que espera conseguir voltar em maio. No ano passado, o trem ficou parado por cinco meses por conta das medidas restritivas adotadas para tentar conter a disseminação do novo coronavírus.

Sanches afirmou que só é possível que manutenções como essa ocorram devido a parcerias com o setor ferroviário, no caso com Rumo (que está fazendo a manutenção), MRS e CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos).

Parceria do tipo ocorreu também em setembro, quando três locomotivas elétricas que estavam guardadas no depósito da Luz, em São Paulo, voltaram aos trilhos para serem levadas para Cruzeiro (219 quilômetros de distância), onde a ABPF tem oficina.

Foram necessários quatro dias de viagem, com pausas diárias em Itaquaquecetuba, São José dos Campos e Roseira. A operação envolveu a MRS, concessionária do trecho, e a CPTM.