Conheça a história do túnel ferroviário que guarda marcas da revolução de 32

Hoje abrigando um roteiro ferroviário turístico, a região do túnel de 998 m de extensão que separa São Paulo de Minas Gerais, um dos locais relevantes na Revolução Constitucionalista de 1932, até hoje guarda marcas dos confrontos registrados naquele ano.

A revolução, que completa 89 anos nesta sexta-feira (9), teve no local uma sangrenta batalha entre as tropas federais e as forças paulistas que fizeram com que, quase um século depois, as paredes do túnel ainda permanecessem com marcas de tiros e estilhaços.

Relatos de pesquisadores apontam centenas de mortes de combatentes no local, inclusive a do tenente-coronel Fulgêncio de Souza Santos, comandante do 7º Batalhão da Força Pública de Minas Gerais.

Os registros indicam que ele morreu perto do túnel quando tropas de São Paulo tentaram invadir Passa Quatro, cidade mineira que faz divisa com a paulista Cruzeiro. Os paulistas chegaram a invadir Passa Quatro e conseguiram explodir uma ponte ferroviária em solo mineiro, apontam registros da Câmara do município.

O 9 de julho marca o início da Revolução Constitucionalista, uma revolta que São Paulo organizou contra o governo de Getúlio Vargas (1930-1945). Os paulistas queriam uma nova Constituição para o país, o que Vargas não admitia. A data é feriado estadual desde 1997, quando Mário Covas (1930-2001), então governador, assinou o projeto de lei 9.497.

O túnel entre os dois estados era altamente estratégico para a revolução e mostra, também, a importância que o sistema ferroviário tinha naquele momento para o país.

Primeiro, e óbvio, o trem era o meio utilizado para o transporte de tropas para as regiões de batalhas, mas ele também serviu como obstáculo de combate. Ao menos uma locomotiva foi estacionada no lado paulista do túnel como forma de impedir o avanço de tropas rivais.

À época, a estação mineira logo após a divisa entre os estados se chamava… Tunel, mas a morte de Fulgêncio fez com que a estação passasse a ser denominada Coronel Fulgêncio.

Inaugurada em 1884, a estação foi utilizada até o começo da década de 1970 e, depois, ficou abandonada até 2004, quando a ABPF (Associação Brasileira de Preservação Ferroviária) a assumiu e iniciou sua restauração. No período, em meio ao mato alto que dominava o local, foram encontradas cápsulas e objetos supostamente utilizados no período da revolução.

Embora a estação não tivesse utilidade para passageiros desde o seu fechamento, até 1991 seus trilhos recebiam os trens que operavam no ramal ferroviário entre Cruzeiro e Três Corações (MG).

Hoje, funciona no local o Trem da Serra da Mantiqueira, que parte da estação central de Passa Quatro, que pertenceu à ferrovia Rio-Minas, passa pela estação Manacá, em operação desde 1931, e vai até Coronel Fulgêncio, num percurso total de 20 quilômetros (ida e volta), no alto da serra.

A estação Manacá também foi utilizada como base das tropas federais na revolução de 1932.

Além de Cruzeiro-Passa Quatro, os trens também foram significativos no transporte de tropas para a divisa entre Rifaina (SP) e Sacramento (MG).

Cartaz do MMDC que convocava os paulistas a combater o governo de Getúlio Vargas em 1932 (Reprodução)
Cartaz do MMDC que convocava os paulistas a combater o governo de Getúlio Vargas em 1932 (Reprodução)

Passa Quatro tem uma série de bens ferroviários que integram a lista de patrimônios culturais ferroviários do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), mas o túnel não está nessa relação.

São declaradas de valor histórico as estações ferroviárias Passa Quatro, Coronel Fulgêncio e Manacá, três terrenos das estações, um depósito de materiais e uma residência de empregados.

O Conselho de Patrimônio Histórico e Cultural de Passa Quatro chegou a criar uma campanha pelo tombamento do túnel, ainda sem resultado até aqui.

O túnel, que hoje é usado por turistas e grupos de ciclistas e motociclistas, pode no futuro voltar a ser utilizado como interligação ferroviária entre os dois estados. A ABPF está trabalhando na restauração do trecho de 25 quilômetros entre Cruzeiro e o túnel, o que inclui desenterrar trilhos na cidade paulista e colocar novos dormentes e trilhos onde eles não existem mais.

Não há prazo para a conclusão dos trabalhos. O objetivo, porém, é ampliar a rota dos atuais 10 quilômetros existentes na cidade mineira para 35 quilômetros.

CRONOLOGIA DA REVOLUÇÃO

3.out.1930
É deflagrado o movimento que levou o gaúcho Getúlio Vargas ao poder. Ele assume um governo provisório depondo Washington Luís da Presidência da República

17.fev.1932
Os grandes partidos de São Paulo criam a Frente Única Paulista, que exigia nova Constituição para o país

23.mai
Quatro estudantes são mortos durante um protesto contra Vargas em São Paulo; de suas iniciais surge a sigla MMDC

9.jul
Militares antecipam a deflagração da mobilização, marcada para 14 de julho, pegando aliados de surpresa

22.ago
Primeiro combate aéreo no país, em Cruzeiro: dois aviões paulistas enfrentam dois aviões federais

12.set
O governo ocupa o porto de Santos, sob bloqueio desde o início da revolta, mas os combates seguem até dia 24

2.out
As tropas paulistas se rendem ao governo Vargas; líderes do movimento vão para o exílio

3.mai.1933
São realizadas eleições no país para a escolha da Assembleia Nacional Constituinte, demanda dos paulistas