Afinal, é caro viajar em trens no país?
“Está muito caro, com esse preço que cobram viajo com minha família para outro lugar.” “Nem em viagens longas na Europa gasta-se tanto quanto nos trens aqui no Brasil.”
É rotina receber de leitores do blog reclamações e comentários como esses dois acima sobre os preços praticados nos passeios turísticos de trem no país. É mais comum ainda ver postagens do tipo esquentarem discussões em grupos ligados a ferrovias em redes sociais.
Mas é caro mesmo viajar nos trens turísticos existentes no país? Para tentar encontrar uma resposta, o blog ouviu representantes de associações de preservação ferroviária para entender os custos envolvidos nas operações, turistas –que são os pagantes– e comparou com preços praticados em roteiros na Europa.
Para você responder, leve em conta o total de passageiros envolvidos em sua viagem, o destino escolhido, promoções feitas pelas operadoras, seu envolvimento com o mundo ferroviário e até mesmo a idade dos turistas que farão o percurso.
Para viajar na maria-fumaça entre Campinas e Jaguariúna, a rota mais extensa do interior paulista, com 48 km no total, uma família com dois adultos e duas crianças de até 12 anos gastaria neste mês R$ 240, graças a uma promoção feita pela ABPF (Associação Brasileira de Preservação Ferroviária) para tentar atrair turistas em meio à pandemia.
Cada passageiro precisa levar um quilo de alimento para ser doado a entidades assistenciais para ter direito ao valor promocional. Fora da promoção, o mesmo roteiro custaria R$ 400.
Também há descontos para estudantes, pessoas com deficiências, professores e funcionários de escolas estaduais, moradores de Campinas e Jaguariúna, policiais (civis, militares e federais, além de guardas municipais) e pessoas com 60 anos ou mais.
Já no Trem Republicano, que opera entre Salto e Itu e é mantido pela iniciativa privada –a Serra Verde Express, que também oferece o roteiro entre Curitiba e Morretes, na serra do Mar paranaense–, o bilhete em maio custa R$ 77 para adultos (o trecho), R$ 39 para crianças até 12 anos e R$ 49 para pessoas com 60 anos ou mais. Ida e volta custa a partir de R$ 115. Também há desconto de 50% para moradores das duas cidades.
Na rota operada no Paraná, a viagem de quatro horas e quinze minutos entre Curitiba e Morretes, incluindo serviço de bordo, kit lanche e uma bebida, além do guia turístico, custa a partir de R$ 135 por trecho.
Um dos mais novos roteiros em operação no país, o Trem Caiçara, entre Morretes e Antonina, também no Paraná e mantido pela regional sul da ABPF, cobra neste mês R$ 40 (o trecho), R$ 50 (ida de trem e retorno rodoviário) e R$ 70 (ida e volta de trem), com isenção para crianças de até 5 anos.
“Sei que há gastos que nós, meros turistas, nem imaginamos que existam, mas não consigo entender como pode custar tão caro [para levar a família]”, disse o comerciante Pedro Martins Costa, de Hortolândia (SP), em mensagem ao blog.
Neto de ex-ferroviário, ele nutre paixão pelas ferrovias desde a infância e já visitou praticamente todos os roteiros disponíveis no país. “Já andei desde os trens da CPTM até o Vitória-Minas [rota regular, diária, operada pela Vale], que proporcionalmente são mais baratos.”
Sim, são. Só é preciso separar os tipos de rotas ferroviárias existentes ao se fazer qualquer tipo de comparação.
O Vitória-Minas, entre o embarque em Belo Horizonte e a estação Pedro Nolasco, em Cariacica (ES), custa R$ 73 na classe econômica, numa viagem de mais de 12 horas de duração. Mas é uma concessão, uma linha regular que opera todos os dias entre os dois estados. Não é uma rota turística, embora muitos a tratem como tal.
Já os trens da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) integram o chamado transporte de alta capacidade, são um meio de locomoção para contribuir com a mobilidade urbana da região metropolitana da capital, transportando 3 milhões de usuários por dia.
Na Europa, é possível viajar de Paris a Zurique, dependendo a época do ano, por 39 euros (o equivalente a cerca de R$ 250), ou de Roma a Paris por 84 euros (R$ 535). Ou seja, não é tão barato como se pensa, quando o valor é convertido para reais. Mas, assim como nos casos relatados acima, são viagens de rotas regulares.
O que ocorre muitas vezes é turistas fazerem viagens noturnas de trem na Europa até chegarem ao próximo país de destino, o que pode resultar em economia com uma diária de hotel, por exemplo. Mas essa é outra história.
Já os trens turísticos brasileiros, como o próprio nome diz, normalmente operam entre sextas-feiras e domingos ou apenas aos sábados e domingos, e têm custos altos. Em Campinas, a ABPF tem mais de 20 funcionários contratados para manutenção da via, oficinas e serviços administrativos.
“O problema é que os gastos nunca se resumem ao valor dos ingressos. Tem sempre um souvenir à venda, fora alimentação e transporte para chegar até lá”, diz Romualdo Silva, outro leitor do blog.
As reclamações, em geral, são para todos os roteiros. Um deles é o feito pelo Trem do Corcovado, no Rio, responsável por praticamente um terço dos 3 milhões de passageiros que viajavam anualmente antes da pandemia em rotas turísticas e culturais, segundo dados da Abottc (Associação Brasileira das Operadoras de Trens Turísticos e Culturais).
Embora percorra um trecho pequeno, 4 quilômetros, feitos em 20 minutos, o bilhete em baixa temporada custa R$ 71 –em alta, R$ 88–, com descontos para crianças até 11 anos, pessoas com 60 anos ou mais e moradores do Rio. Há uma promoção vigente até 30 de junho, com ingressos a R$ 58.
“Muitas pessoas se queixam dos preços, mas não sabem o que envolve a manutenção e a restauração de uma locomotiva ou um carro de passageiros. Muitas vezes as peças não existem mais, precisam ser fabricadas, e isso leva tempo e dinheiro”, disse o diretor administrativo da ABPF Campinas, Hélio Gazetta Filho.
Esse é um ponto interessante para a discussão. A maioria dos roteiros em operação no país têm como função serem, além de turísticos, trens históricos ou culturais, reproduzindo características das regiões em que funcionam, com danças e comidas típicas e guias contando a história local.
Ou seja, pregam a preservação da memória e da ferrovia. E preservar, no caso brasileiro, é praticamente ter de refazer locomotivas antigas ou carros de passageiros que são resgatados e, por pouco, não viraram sucata. O descaso histórico do país com os bens ferroviários cobra seu preço de alguma forma. No caso, no bolso dos turistas.
“Ser caro ou não depende de como você faz a contabilidade. Se for considerar só o custo operacional, combustível, desgaste do trem e manutenção da linha, a viagem é cara. Só que a ABPF precisa ter uma margem para conseguir fazer caixa e investir na recuperação. Se não for assim, não vai ter restauração de mais nada”, disse o presidente da entidade, Bruno Crivelari Sanches. A ABPF opera a maior parte das rotas no país.
Esse excedente, digamos, foi o que permitiu, segundo ele, que a associação conseguisse pagar salários durante a paralisação causada pela pandemia e, ao mesmo tempo, investir nas restaurações de locomotivas.
E qual o custo para reformar uma maria-fumaça centenária? Pode passar de R$ 1 milhão, dependendo do tipo, tamanho e estado.
A ABPF venceu uma licitação da Prefeitura de Ribeirão Preto em 2020 para reformar uma maria-fumaça que passou 47 anos abandonada numa praça da cidade, enferrujando e sendo alvo de furtos de peças de cobre, ferro e aço.
Restaurar a locomotiva alemã Borsig, uma das três remanescentes da fabricante, no país, custará R$ 749 mil à prefeitura do interior paulista. Se ela pertencesse à ABPF e tivesse de ser restaurada para voltar aos trilhos, com o valor atual seria necessário vender 9.362 bilhetes de trem entre Campinas e Jaguariúna para pagar o restauro, com o valor revertido integralmente à reforma.
No último domingo, 120 turistas fizeram o percurso entre as duas cidades paulistas. Antes da pandemia, o passeio no interior paulista reunia em média 60 mil turistas por ano.
Sanches disse entender as queixas, mas afirmou que a maioria das famílias faz em média um passeio por ano, o que significaria que esse valor se diluiria no orçamento familiar ao longo do ano.
“Há, claro, quem goste mais e viaje mais. Mas [com o valor do bilhete] também conseguimos fazer passeios sociais, sem custos, para atender as necessidades que nos chegam”, disse Sanches.
Uma opção para baratear o preço do turismo ferroviário é o passageiro se tornar sócio da ABPF. A semestralidade custa R$ 160 e dá direito a viajar à vontade em todos os trens vinculados à associação em operação no país.
“Além da satisfação de contribuir para a causa, o objetivo é que a pessoa também venha contribuir voluntariamente com nossas ações, que seja um multiplicador da preservação”, disse Mauricio Polli, tesoureiro nacional da associação.
Tire sua conclusão, dê sua sugestão, escreva para o blog falando sobre o assunto. O tema não se esgota aqui.