Conheça a história da ferrovia na cidade em que Washington Luís foi prefeito
A história das ferrovias no interior de São Paulo é marcada pelo desenvolvimento de cidades inteiras a partir de estações ferroviárias e pelo impulso que deram à economia dos municípios, mas há um caso em que ela foi porta de entrada para um futuro presidente da República, recebeu dom Pedro 2º pouco antes do fim do período imperial e serviu de embarque para um político nativo que seria governador de São Paulo.
Quando a estação de Batatais, na região de Ribeirão Preto, foi inaugurada em 1886 com a presença de dom Pedro 2º e de sua mulher, a imperatriz Teresa Cristina, o local já era cidade havia quase cinco décadas, mas foi a chegada da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro que a desenvolveu, graças à elite cafeeira que buscava formas de escoar sua produção até o porto de Santos.
Essa mesma elite enfrentava problemas como disputa por terras e precisava de mão de obra jurídica qualificada para resolvê-los, o que atraiu para a cidade nomes como Washington Luís (1869-1957), que deixou o Rio de Janeiro para se aventurar a advogar no interior paulista.
Batatais, município que hoje tem 62 mil habitantes, data oficialmente de 1839, quando Venâncio José Lisboa, presidente da Província de São Paulo, promulgou lei tornando a então freguesia em vila.
Embora tivesse importância econômica com suas fazendas de café, o núcleo urbano era pequeno, tanto que em 1872 limitava-se a 13 ruas e 3 praças, conforme documentos do Arquivo da Câmara de Batatais.
As ruas partiam do Largo da Igreja Matriz –hoje santuário, que abriga importante acervo sacro de Candido Portinari (1903-1962)– e tinham naquele ano as seguintes denominações: direita, de baixo, do canto, do cemitério, do theatro, do commercio, do outro mundo, de cima, da outra banda, do chafariz, do castello, da cadeia e das palmeiras.
O desenvolvimento real, porém, começou mesmo em 25 de outubro de 1886, quando a Mogiana chegou à cidade e tornou-a um entreposto comercial, acelerando sua urbanização.
Foi nesse contexto desenvolvimentista a partir da ferrovia que Washington Luís chegou à cidade. À época, a região toda passou a atrair estrangeiros –notadamente italianos– e também migrantes de outros estados, de olho no capital proveniente do “ouro verde”, como o café era chamado.
O então jovem advogado que seria presidente três décadas depois teve grande envolvimento com a elite local e com a comunidade, tanto que se tornou vereador e foi intendente (o prefeito da época). Essa história é bem contada no livro “Washington Luís e a Modernização de Batatais”, de Robson Mendonça Pereira (Annablume, 2005).
Em 1898, segundo relatório do já então intendente, em sete anos as edificações de Batatais praticamente dobraram. Dos 420 imóveis existentes em 1891, o total chegou a 800, naquele ano.
A ferrovia foi tão importante para Batatais que, em 1909, aquele pequeno povoado de antes da chegada dos trilhos já tinha 25.168 habitantes, ou 40% de sua população atual. Era maior, por exemplo, que Franca, à época com 10.406 moradores (e que hoje tem 353 mil habitantes).
Nos anos seguintes, com a expansão cafeeira, a estação ferroviária original passou a ser alvo de questionamentos e a comunidade começou a pedir o surgimento de uma nova, mais moderna.
“Hoje, Batatais, muito aumentada, cidade moderna, está a exigir da estrada de ferro que nos serve, mais uma remodelação na atual estação, senão, mesmo, a construção de uma nova”, escreveu o jornal “Folha de Batatais” em sua edição de 5 de maio de 1934.
Quatro anos depois, o prédio atual foi inaugurado. Ele ainda atendeu passageiros por mais quatro décadas, até que passou a servir apenas ao transporte de cargas e, depois, nem isso.
Os trilhos foram retirados em 1988, como ocorreu em boa parte do interior paulista, e a estação ficou fechada por muitos anos, até ser transformada em sede da guarda municipal e, também, depósito. Parte do trecho em que um dia houve trilhos foi asfaltado e virou uma estrada vicinal.
Um incêndio danificou a estação no fim dos anos 90, mas ela foi reformada e hoje atende a múltiplas finalidades culturais da cidade –até por ser espaçosa, uma das maiores da Mogiana.
Ali está, por exemplo, o museu Washington Luís, que apesar de homenagear o ex-presidente que um dia chegou à cidade pelos trilhos da ferrovia, não abriga apenas peças ligadas ao político.
Também sedia uma biblioteca que leva o nome de Altino Arantes (1876-1965) –filho ilustre do município que foi governador do estado e deu nome a Altinópolis, cidade vizinha–, a sede temporária da banda marcial, curso de pintura e sala de exposições, além de abrigar eventos variados em frente à estação, como festivais de música.
A intenção da administração é ampliar o museu, com a criação de um pequeno auditório na estação, assim que a banda for transferida para um novo espaço, segundo o secretário de Cultura e Turismo, Luciano Dami.
Apesar das várias atividades existentes na estação, não há um acervo relevante sobre a memória ferroviária do município –apenas alguns documentos. Segundo o secretário, um dos projetos futuros é obter uma locomotiva vazada, que simbolize a história da ferrovia para a cidade, para ser exposta no local, além de atrações que levem moradores e turistas ao espaço –a cidade é estância turística.
“A história da estação é muito importante para o município, pois foi o caminho de entrada, inclusive de grandes figuras históricas, como Washington Luís, e também de embarque de pessoas que saíram daqui para se destacar fora, como Altino Arantes”, afirmou.