Conheça a curta trajetória da ferrovia que ex-governador criou em sua cidade

O ano era 1991. Prestes a encerrar seu mandato no governo de São Paulo, o ex-governador Orestes Quércia (1938-2010) deixou uma obra em sua cidade natal, Pedregulho: uma estrada de ferro turística ligando o município à vizinha Rifaina, na divisa com Minas Gerais.

Era a Estrada de Ferro Vale do Bom Jesus, que surgiu com o objetivo de atrair um novo tipo de turista para uma região repleta de cachoeiras e que tradicionalmente já os recebia para o turismo náutico na represa de Jaguara, que banha Rifaina e Sacramento (MG). Ela percorria o vale, uma ampla área verde entre os dois municípios.

Para que fosse possível recriar a ferrovia onde um dia passaram trens da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, novos trilhos foram colocados na ferrovia.

Após o estado reconstruir o trecho de 32 quilômetros, ele passou a ser operado pela ABPF (Associação Brasileira de Preservação Ferroviária), mas problemas passaram a ser detectados: o fluxo de turistas para o trem era inferior ao esperado, a composição tinha limitações e o estado deixou de apoiar o projeto após a saída de Quércia do governo paulista.

Além disso, ainda havia um problema num trecho de serra, que dificultava a operação ferroviária por limitar a quantidade de carros de passageiros que o trem poderia transportar. Ou seja, poderia levar menos turistas que o esperado.

Mas dois dos problemas foram fundamentais para a paralisação das atividades poucos anos após seu início: o primeiro foi o ex-governador Luiz Antônio Fleury Filho, que governou São Paulo entre 1991 e 1995, suspender a verba destinada à manutenção do trem. A partir disso, a ABPF precisava retirar recursos de outro trem turístico para pagar a operação e os salários dos funcionários em Pedregulho-Rifaina.

O segundo foi o surgimento de uma cratera nas proximidades da estação de Pedregulho, que começou a “engolir” a ferrovia. A erosão só crescia e a cada dia tornava mais inviável sua recuperação.

Com isso, o trem deixou de circular já no governo Mário Covas (1930-2001), que sucedeu Fleury, o que fez o ex-governador que o criou afirmar que foi uma represália política.

“Não tenho nenhuma dúvida de que se trata de uma represália política. Para os cofres do estado, essa verba não representa nada, é uma ninharia” disse o ex-governador à Folha quando a cratera surgiu em Pedregulho.

Na cidade em que Quércia nasceu, pessoas próximas a ele já afirmaram que o projeto era um antigo sonho dele, que andou de maria-fumaça em sua infância.

Estação Jaguara, em Sacramento, que era atendida pela Mogiana (Joel Silva/Folhapress)
Estação Jaguara, em Sacramento, que era atendida pela Mogiana (Joel Silva/Folhapress)

DEPOIS DO FIM

Pedregulho e Rifaina integravam a chamada Linha do Rio Grande, que em apenas dois anos desde o seu surgimento, em Ribeirão Preto, já tinha chegado a Sacramento, na estação Jaguara.

A operação na Estrada de Ferro Vale do Bom Jesus chegou a ter três marias-fumaças e carros de passageiros do início do século passado, utilizados para transportar em média 2.500 passageiros por mês.

Boa parte dos passageiros eram grupos de estudantes de municípios das regiões de Franca e Ribeirão Preto e excursões de idosos. O passeio no trem durava pouco mais de uma hora.

Apesar de haver abnegados que alimentam o desejo de retorno das operações ferroviárias na região, sua volta é algo visto como difícil por exigir altos investimentos. Cerca de um quilômetro de trilhos deixou a ferrovia para atender outro projeto da ABPF. A falta de manutenção também deteriora o que restou, que está repleto de mato.

O abandono da linha ferroviária fez com que as estações passassem a ter outra finalidade. Em Pedregulho, logo após a interrupção do trem o local passou a ser usado por bares, enquanto em Rifaina tinha virado moradia.

Com o encerramento das atividades, os bens foram transferidos para outras regionais da ABPF que têm trens em operação. Uma das locomotivas, por exemplo, foi para São Lourenço (MG).