Documentário de Jean Manzon mostra últimos anos da Companhia Mogiana
“O velho trem de ferro fez furor no século passado. Carro que anda sozinho, cuspindo fumaça e faísca.” Assim começa o documentário “Sobre os Trilhos da Mogiana”, produzido no início dos anos 70 e que foi disponibilizado neste mês em redes sociais pelo Arquivo Nacional.
Com pouco menos de nove minutos de duração, o trabalho foi produzido pelo fotógrafo e cineasta Jean Manzon (1915-1990) pouco antes de a Companhia Mogiana de Estradas de Ferro ser uma das empresas que originaram a Fepasa (Ferrovia Paulista S.A.).
Francês, Manzon fixou-se no Rio em 1940. Foi fotógrafo de publicações como as revistas “O Cruzeiro” –onde fez parceria com o repórter Davi Nasser– e “Manchete” e atuou como cineasta a partir de 1952, realizando mais de 900 documentários em sua carreira.
O vídeo, institucional, foi produzido por iniciativa de três empreiteiras que atuaram na construção de um trecho apresentado no documentário e é repleto de louvações ao sistema ferroviário e à Mogiana, que naquele momento já vivia seu crepúsculo.
Em 1971, ela e outras quatro companhias –Paulista, Sorocabana, Araraquara e São Paulo-Minas– deram origem à Fepasa. Mas, desde 1952, a Mogiana já era controlada pelo governo paulista, após duas décadas de dificuldades financeiras enfrentadas com a crise do café deflagrada pela quebra da Bolsa de Nova York, em 1929.
O documentário vale pelas belas imagens de época, como as da construção da variante entroncamento Amoroso Costa –inaugurada anos depois pela Fepasa para substituir o antigo ramal de Igarapava, na divisa entre São Paulo e Minas– e por apresentar aspectos das antigas estações e vagões, além de como era a rotina nos carros de passageiros.
Usuários da Mogiana eram servidos por garçons enquanto o trem desbravava o interior, monitorado por uma central de telex e com modernidades como suspensão a ar nos carros, maior estabilidade e ar condicionado.
VELOCIDADE
Crise da empresa à parte, o vídeo dizia que a ferrovia estava substituindo seus “traçados primitivos” por novos, que iriam encurtar as distâncias e permitir maior velocidade. Isso de fato ocorreu posteriormente, mas apenas parcialmente.
“O famoso Bandeirante circula duas vezes por semana entre Campinas e Brasília. Com as novas variantes em execução, com o futuro alargamento da bitola e com locomotivas mais potentes, os trens poderão atingir uma velocidade de 150 quilômetros por hora”, diz trecho do vídeo.
A baixa velocidade dos trens não era um problema exclusivo da Mogiana, embora ela fosse uma das responsáveis. A Ferronorte, que chegou a Rondonópolis (MT) em 2012, tem raios de curvas considerados ideais, passam por poucas áreas urbanas e conseguem viajar a 80 quilômetros por hora, bem acima da velocidade em alguns trechos do interior paulista, em que os trens precisam cortar cidades a 30 quilômetros por hora devido ao seu traçado sinuoso.
Esse tipo de traçado era comum na Mogiana, que tinha como interesse primordial atender aos cafeicultores paulistas, seus principais clientes. Os trilhos faziam as rotas que fossem necessárias para passar nas lavouras cafeeiras para que a produção pudesse ser escoada até o porto de Santos.
O vídeo despertou atenção em redes sociais principalmente por ser um documento de uma época em que ainda se falava no transporte regular de passageiros no país como algo cotidiano. Os últimos trens transportaram passageiros em São Paulo até o início dos anos 2000.
No país, hoje há apenas duas rotas regulares em operação, o da EFVM (Estrada de Ferro Vitória-Minas) e o da Estrada de Ferro Carajás (São Luís-Parauapebas), ambos operados pela Vale e que estão com circulação suspensa desde 24 de março devido à pandemia do novo coronavírus.