País vive na pandemia paralisação total nas operações de trens de passageiros
Nenhum passageiro foi transportado por trens regulares ou turísticos no país desde março, devido à pandemia do novo coronavírus e as consequentes medidas adotadas para restringir a circulação de pessoas, fenômeno que não ocorreu nessa intensidade nem mesmo durante a Segunda Guerra (1939-1945) ou após a quebra da Bolsa de Nova York (1929), segundo pesquisadores ferroviários e especialistas.
Nem era esperado que fosse muito diferente disso, já que a pandemia dizimou temporariamente a malha aérea, viu empresas de ônibus intermunicipais demitindo e reduziu o fluxo de veículos nas rodovias.
A diferença é que, enquanto há passageiros –poucos, mas há– voando, usando ônibus e carros, eles não têm opção para deslocamentos ferroviários, o que só mostra como o sistema é limitado no país.
Enquanto a aviação transportou 104,4 milhões de passageiros em 2019 no país, segundo a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), os trens de passageiros regulares e turísticos não chegaram a 4,5 milhões, a maioria deles em operações turísticas, aos finais de semana.
“Nunca tinha havido interrupção dessa forma, até porque os trens turísticos existem há muito tempo. Quando o trem começou a operar entre Campinas e Jaguariúna [1984], por exemplo, ainda havia muitos trens de passageiros. Parar tudo como agora não tinha ocorrido”, afirmou o pesquisador ferroviário Ralph Mennucci Giesbrecht.
Segundo ele, houve paralisações nas atividades de algumas linhas ferroviárias após a quebra da Bolsa nos EUA, que fez com que fosse reduzida significativamente a compra de café brasileiro, gerando a interrupção em ramais ferroviários no interior paulista.
“Teve [também] uma ou outra paralisação na Segunda Guerra, mas nada que impedisse o transporte de passageiros”, afirmou. À época, o trem era praticamente a única opção viável de transporte.
O país, que tem malha ferroviária basicamente destinada ao transporte de cargas, ainda possui pouco mais de 1.500 quilômetros de trilhos utilizados para o transporte regular de passageiros, que levam, em média, 1,3 milhão de passageiros por ano.
Não estão nesse cálculo trens metropolitanos, como os operados pela CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), em São Paulo, e SuperVia, no Rio, que seguem funcionando, mas com ocupação reduzida.
Os únicos dois trens de passageiros com operação regular no Brasil são operados pela Vale, o da EFVM (Estrada de Ferro Vitória-Minas) e o da Estrada de Ferro Carajás. O primeiro faz a rota entre Belo Horizonte e Vitória, enquanto o segundo percorre os trilhos entre São Luís e Parauapebas (PA).
A circulação de ambos foi suspensa em 24 de março, como forma de contribuir para as ações de contenção à pandemia da Covid-19, segundo a empresa.
OS TRENS
O trem entre Espírito Santo e Minas Gerais percorre diariamente 664 quilômetros de trilhos, parte às 7h de Cariacica (ES) e chega à capital mineira às 20h10. No sentido contrário, parte de Belo Horizonte às 7h30 e termina a viagem às 20h30.
No trajeto entre os dois estados, percorre margens do rio Doce e passa por trechos de mata atlântica no Espírito Santo e montanhas em Minas. E para em 28 estações no trajeto.
Já o de Carajás parte às 8h (segundas, quintas e sábados) de São Luís e chega a Parauapebas às 23h50. Às terças, sextas e domingos, parte às 6h da cidade paraense e chega às 22h na capital do Maranhão.
O trem foi inaugurado em 1985 e percorre 870 quilômetros de trilhos, passando por 25 povoados e municípios. Não há prazo para que os trens voltem a circular.
“Nunca tivemos isso, o retrocesso que vivemos agora é total. Se o governo assinar a antecipação das renovações das concessões como estão, aí será sepultado o transporte de cargas em geral e o de passageiros por mais 40 anos”, afirmou José Manoel Ferreira Gonçalves, presidente da Ferrofrente (Frente Nacional pela Volta das Ferrovias).
De acordo com ele, os trens regulares não deveriam sofrer interrupção, pois são um meio de transporte, assim como ônibus e aviões.
TURISMO PARADO
Além dos dois trens da Vale, há outros 21 trens turísticos e culturais, que em média transportam por ano 3 milhões de passageiros, segundo a Abottc (Associação Brasileira das Operadoras de Trens Turísticos e Culturais).
Um dos mais tradicionais passeios turísticos do país, o trem da serra do mar paranaense, que percorre os trilhos entre Curitiba e Morretes, está sem operar desde o dia 20 de março e as bilheterias existentes nas duas cidades estão fechadas.
A Serra Verde Express, empresa que faz a rota ferroviária, não está comercializando bilhetes para o mês de maio e diz ter previsão de retomada das atividades em junho.
Quando retomado, a empresa informou que limitará a ocupação dos vagões, para que haja espaço mínimo de 2 m entre os passageiros, exceto familiares, e só permitirá o embarque com o uso de máscaras, entre outras medidas.
Todos os trens operados pela ABPF (Associação Brasileira de Preservação Ferroviária) no país estão parados, como o Campinas-Jaguariúna.
“É muito surreal tudo que está ocorrendo, é inédito e muito preocupante. Estamos desde 15 de março sem um centavo de receita e sem saber quando voltaremos”, afirmou o diretor administrativo da ABPF, Helio Gazetta Filho.
Mesmo que a circulação do trem fosse retomada de imediato, o prejuízo já é enorme para as operações no interior paulista, já que as férias de julho –melhor mês do ano para a associação– estarão prejudicadas com a reposição de aulas.
“Os três primeiros meses do ano foram ruins, por causa de chuva. Estávamos até com dificuldades para reservas em abril, de tanta procura, mas aí acontece isso [pandemia].”
Com custo mensal que oscila de R$ 130 mil a R$ 170 mil, a associação lançou campanha para tentar antecipar receita com a venda de bilhetes futuros e pretende criar outras iniciativas.
A Vale também opera um trem turístico entre as cidades mineiras de Ouro Preto e Mariana, que está suspenso desde 14 de março.
No Rio Grande do Sul, o Trem do Vinho, que percorre 23 quilômetros entre Bento Gonçalves, Garibaldi e Carlos Barbosa, foi parado em 18 de março.
Já no Rio, o Trem do Corcovado, que é o que mais recebe passageiros entre os trens turísticos no país, está com as operações paralisadas desde 17 de março.
HISTÓRICO
Apesar de alguns ramais isolados já não operarem mais na década de 40, foram os anos 1950 os responsáveis pelo início do declínio no sistema ferroviário paulista.
Os trens foram suprimidos aos poucos, mas os cancelamentos tiveram forte impacto, em São Paulo, principalmente nas décadas de 1970 e 1980.
Em 1976, num intervalo de apenas três meses, por exemplo, a Fepasa (Ferrovia Paulista S.A.), que nasceu da incorporação pelo estado de cinco companhias ferroviárias cinco anos antes, fechou estações e suprimiu o tráfego de passageiros em ao menos cinco trechos.
São Paulo teve transporte ferroviário de passageiros até o início da década de 2000, mas de forma precária.