Tiros, mortes, carro nos trilhos e evasão: desafios para operar trem em metrópoles
Em um dia, um carro foi deixado sobre os trilhos, o que impediu a circulação do trem. Em outros, tiroteios entre facções rivais foram o problema. Já em outro, uma pessoa se atirou na linha férrea. E, diariamente, a evasão de passageiros é o problema.
Essa é a rotina de funcionamento de concessionárias de sistemas ferroviários em operação no país. O blog acompanhou as operações no CCO (Centro de Controle Operacional) da Supervia, que desde 1998 é responsável pelo sistema ferroviário do Rio de Janeiro, e onde os fatos citados no primeiro parágrafo foram registrados durante este ano.
Os mesmos desafios se repetem, em graus diferentes, em outras metrópoles brasileiras.
Neste ano, foram registradas cerca de 40 interrupções na operação dos trens devido a tiroteios entre facções rivais pelo domínio territorial –e do tráfico de drogas– ou entre uma delas e a polícia.
Em dezembro, moradores do Jacarezinho, por exemplo, viveram três dias seguidos de tiroteios, que resultaram em cinco feridos –sendo quatro policiais militares– e na suspensão temporária das operações dos trens no trecho.
Outra troca de tiros ocorreu em 26 de setembro, em Manguinhos, quando a circulação de trens foi paralisada no ramal Saracuruna. Foi a segunda vez em dois dias, já que na véspera um suspeito de pertencer ao tráfico foi morto a tiros num confronto com a PM na comunidade.
Com o tiroteio do dia anterior, a Supervia chegou a interromper a circulação de trens da Central do Brasil para Gramacho, no ramal Saracuruna, duas vezes no mesmo dia.
Antes, em 29 de agosto, um tiroteio no ramal de Santa Cruz, na zona oeste, terminou com um morto e um ferido em uma tentativa de assalto.
“Quando começam os tiroteios, o trem para e a orientação é leva-lo para a estação mais próxima e aguardar ali”, disse João Gouveia, diretor de operações da Supervia.
Os 275 quilômetros de concessão da empresa passam por 12 municípios, com 104 estações que cortam 112 comunidades. Cerca de 10 delas geram problemas com o tráfico e vandalismo.
Entre elas se destacam Jacarezinho, Manguinhos, Senador Camará, Tancredo Neves, Padre Miguel e Del Castilho, locais de constantes problemas relacionados à segurança pública e envolvendo facções como CV (Comando Vermelho) e ADA (Amigos dos Amigos).
“Carro em cima da linha não é uma vez ou outra, é desova de carro. Hoje, de 85% a 90% dos problemas [nas operações] são externos. E o que são? Carro que o pessoal põe em cima da linha, vandalismo, suicídio, roubo de carro”, afirmou Gouveia.
Outros problemas apontados são a escuridão em vias no entorno de estações operadas pela empresa, que tem 2.500 empregados, além de 1.500 terceirizados.
A frota disponível é de 201 composições, mas nem todas circulam. Em média, são usados 165 trens. O restante fica disponível para atender uma eventual demanda maior ou para substituir composições com problemas.
INSEGURANÇA
Entre os funcionários não efetivos da concessionária estão policiais contratados em horário de folga para atuar nas estações e moradores das próprias comunidades. É o que ocorre no Jacarezinho, por exemplo. O objetivo é auxiliar no atendimento aos moradores da própria comunidade.
O efetivo específico para o sistema ferroviário no Rio já foi maior que o atual. Em 2009, o então secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, rebaixou o antigo Batalhão de Policiamento Ferroviário, que chegou a ter cerca de 300 homens, para Grupo de Policiamento Ferroviário, composto pelos atuais cerca de 80 policiais, que atuam em trens, estações e no entorno.
A polícia alegou à época que a diferença era referente a policiais que não estavam em serviço de rua ou afastados.
OCIOSIDADE E EVASÃO
A Supervia transporta em média 600 mil passageiros em dias úteis, mas tem capacidade de transportar até 850 mil.
Isso significa que ela trabalha com uma ociosidade de cerca de 30%. O bilhete de trem no Rio custa R$ 4,20, mas a partir de 2 de fevereiro passará a R$ 4,60, após a Agetransp (Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos de Transportes Aquaviários, Ferroviários e Metroviários e de Rodovias do Estado do Rio de Janeiro) homologar reajuste de 9,68% referente ao IGP-M entre novembro de 2017 e o mesmo mês de 2018.
O recorde de passageiros transportados é de 2016, quando chegou a transportar 736 mil pagantes num dia de agosto daquele ano, quando o jamaicano Usain Bolt arrastou multidões para o estádio Nilton Santos, o Engenhão, durante os Jogos Olímpicos.
Desde então, com a crise na economia nacional, perdeu em média 100 mil passageiros por dia, mas projeta crescimento no total de usuários com os sinais de melhora no cenário econômico.
Sobre a ociosidade, Gouveia disse que uma das formas de ser reduzida é colocar em prática um plano diretor de transportes, que faça com que os modais sejam complementares, não concorrentes.
“A avenida Brasil, com ônibus, corre paralela à nossa linha. Como está é um projeto perde-perde. Todos perdem, usuários, nós e governo. A tarifa poderia ser mais módica se houvesse mais eficiência em todo o sistema.”
Além dos problemas envolvendo segurança pública, a concessionária estima que diariamente 30 mil pessoas viajem sem pagar tarifa, número que equivale a 5% dos 600 mil transportados em dias úteis atualmente.
Para tentar conter isso, a empresa desenvolveu um projeto que prevê que o usuário apresente o bilhete também na saída do trem em algumas das estações –as mais próximas à Central do Brasil.
Independentemente do local de embarque do passageiro, o bilhete será pedido na saída. Segundo Gouveia, no caso de ser um invasor ele não terá a saída liberada e será encaminhado a uma bilheteria para comprar a passagem. Estará ainda sujeito a multas.
As bilheterias da Central do Brasil já estão sendo preparadas para mudar de lugar e intervenções também serão feitas em outras estações.
Um invasor que queira ir até as estações centrais terá de descer antes de Engenho de Dentro e caminhar, situação que torna a prática inviável, na avaliação do diretor. A distância entre Engenho e Central do Brasil é de 12 quilômetros.
“É um grande projeto e uma mudança de paradigma. O transporte do Rio nunca validou bilhete na saída. Fizemos estudo de fluxo, aprovamos com a agência reguladora e a secretaria de transportes e acreditamos que poderemos implantar o projeto em 2019”, disse o presidente da Supervia, José Carlos Prober.
Entre as estações com mais embarques irregulares estão Engenheiro Pedreira, Queimados, Comendador Soares, Austin e Corte Oito.
CORAÇÃO DO SISTEMA
Como funciona o controle das operações de uma concessionária numa grande cidade. No Rio, o sistema da empresa consegue, a partir de uma sala próxima à estação Central do Brasil, resolver problemas para manter seus trens e linhas em funcionamento.
A concessionária implantou um sistema automático em que caixas detectoras são acionadas com a passagem do trem nos trilhos, emitindo sinais para o centro de controle do trecho. Dele, por sua vez, são enviados à central que identifica numa tela como está a movimentação dos trens.
O sistema interpreta as informações e detecta quanto tempo levará para a composição chegar às estações. Os dados são exibidos em TVs e informados no sistema de áudio das estações.
A empresa padronizou uma voz feminina para informar quando tudo está normal e uma masculina para anúncios excepcionais, como problemas nos trilhos.
Situações de não conformidade no sistema, como o controle de fluxo de energia nas estações, podem ser resolvidas a partir do centro operacional.
“Antes, se um trem sofresse uma avaria e o maquinista precisasse descer, isso fazia as pessoas descerem para a brita também. Com o sistema, isso acabou”, disse Gouveia.
O sistema opera também com “redundância”. Embora os trens não saiam dos 275 quilômetros de concessão –impossível, a não ser em caso de descarrilamento–, eles possuem GPS para serem localizados na rede e as estações têm 550 câmeras de monitoramento instaladas.
“Essa redundância é para garantir a operação. Temos um projeto de instalação de fibra ótica para ter mais 1.500 câmeras, para ficar com algo em torno de 2.000”, afirmou o diretor.
PROBLEMAS
Apesar de a modernização ter provocado mais eficiência nas operações, o sistema convive com problemas antigos, alvos de queixas diárias de usuários –inclusive nas redes sociais da concessionária.
Entre as reclamações estão atrasos, demora na viagem, preço da tarifa e falta de acessibilidade nas estações.
“Nossas estações são modestas, mas funcionam. Requerem questão de acessibilidade, mas estamos cuidando disso. Mais elevadores, rampas para pessoas com deficiências. Mas em termos de estação diria que estamos bastante arrumados”, disse Gouveia.