Brasilianista lança livro em que defende importância das ferrovias para o progresso do país
Visto sem ressalvas pelo mercado global poucas décadas após a declaração da independência, o Brasil obteve investimentos externos, saiu da estagnação econômica e impulsionou seu desenvolvimento a partir de 1854 com o surgimento das ferrovias.
Esses são alguns dos pontos defendidos pelo brasilianista William Summerhill, professor na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) e pesquisador de história econômica brasileira que lançará, nesta terça-feira (7), o livro “Trilhos do Desenvolvimento: Ferrovias no Crescimento Econômico Brasileiro 1854-1913”, em evento no Insper.
A obra mostra que os investimentos nas ferrovias na segunda metade do século 19 foram o que de mais importante ocorreu no Brasil no período e tiveram papel primordial para o crescimento econômico do país no início do século passado, impulsionado por capital estrangeiro –sobretudo inglês.
Sem as ferrovias –a pioneira foi a Estrada de Ferro Mauá, inaugurada por dom Pedro 2º num trecho de 14 quilômetros–, o PIB (Produto Interno Bruto) per capita do país seria menor e haveria demora para sair da estagnação econômica daquele século, conclui Summerhill.
O autor fez um extenso trabalho de pesquisa utilizando fontes primárias da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, do Arquivo Nacional, da antiga biblioteca da Fepasa (Ferrovia Paulista S.A.) em São Paulo e do arquivo da Bolsa de Valores de Londres, que envolveram aspectos regulatórios e históricos das ferrovias no Brasil.
No período analisado –que termina antes da quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, que devastou o setor cafeeiro, então principal cliente das ferrovias no país–, o investimento dos grupos nacionais e estrangeiros nos ramais ferroviários era sustentável e auxiliado por uma política de governo que garantia uma taxa mínima para os lucros das companhias ferroviárias.
“Quando o retorno dessas empresas crescesse suficientemente, a empresa começaria a pagar essa ‘dívida’. Algumas empresas precisavam sempre dessa garantia, mas outras só no início, depois abriram mão desse subsídio”, disse Summerhill, que também tem entre suas áreas de interesse infraestrutura, dívida pública, instituições econômicas e desenvolvimento financeiro.
Com capital inglês se desenvolveram companhias como a São Paulo Railway (1867) e a Paulista, que buscou empréstimo em Londres para pagar contas da implantação do ramal ferroviário até Mogi Guaçu, por exemplo.
O capital externo investiu no Brasil por uma série de fatores, como a disponibilidade de um volume expressivo de recursos no mercado de capitais de Londres, que buscava oportunidades fora da Inglaterra, e o fato de o Brasil ter se posicionado bem no cenário global no período –por não ter dado calote desde a sua independência, em 1822.
“Chegando a década de 1850, quando começou a construir as ferrovias, o Brasil já tinha se estabelecido como bom pagador, o que concorreu bem para atrair uma parcela desse capital da Inglaterra.”
Em sua pesquisa, o escritor seguiu abordagem ao assunto elaborada pelo historiador econômico Robert Fogel (1926-2013), Nobel de economia, que estudou o caso norte-americano no final do século 19 e questionou a importância das ferrovias para o desenvolvimento econômico nos EUA.
Fogel, conta Summerhill, imaginou um EUA sem ferrovias, mas com modos alternativos de transporte, e comparou os custos de transporte desse cenário com os custos observados.
A diferença do PIB –ou seja, os benefícios diretos criados pela ferrovia por reduzir o custo de transporte e facilitar o comércio– era menor que o esperado. Esse mesmo tipo de abordagem foi feita por outros pesquisadores, como Albert Fishlow nos EUA, para o período pré-guerra civil, e John Coatsworth, que analisou o México.
Mas, no Brasil, o resultado foi outro. “A implantação e expansão das ferrovias era fundamental na transição da estagnação relativa no século 19 para o crescimento mais forte no início do século 20. É provável que nenhum outro fator fosse tão importante. Considerando os benefícios e custos das ferrovias, era um investimento em uma tecnologia que rendeu bem para a economia brasileira”, disse.
A avaliação do brasilianista é de que tanto as empresas domésticas como as estrangeiras obtiveram lucro nas primeiras décadas do período ferroviário.
“Comparando o custo de transporte com ferrovia com o custo de transporte que o Brasil teria pago sem ferrovias, deu uma diferença relativamente grande do PIB em 1913.”
PASSAGEIROS
Embora tenha sido uma revolução para o transporte de passageiros nas últimas décadas do século 19 e nas primeiras do século seguinte, a contribuição dos usuários para a receita das companhias ferroviárias era menor que a obtida com as cargas, conforme Summerhill. Não há estimativas da parcela do custo das ferrovias que se pode atribuir especificamente a um serviço ou a outro.
O livro que terá sua versão em português lançada nesta terça-feira foi publicado inicialmente pela Stanford University Press in 2003. Summerhill conta que o empresário Guilherme Quintella “descobriu” a obra e avaliou ser importante para a história econômica e para as discussões atuais sobre a política de transportes do país a sua publicação em português.
“Foi pela iniciativa particular dele que temos agora a versão em português, que será distribuída para bibliotecas em muitas instituições de pesquisa e de ensino superior do país.”
LANÇAMENTO DO LIVRO
Quando Terça (7), a partir das 8h30
Onde Insper (sala Marcos Lopes, 2º andar), rua Quatá, 300, Vila Olímpia, São Paulo