Estação de trem e túnel foram palcos de confronto sangrento na revolução de 32
Local de relevância histórica durante a Revolução Constitucionalista de 1932, que completa 86 anos nesta segunda-feira (9), a região da estação ferroviária Coronel Fulgêncio, em Passa Quatro (MG), ainda guarda marcas dos confrontos.
A região da linha férrea, que hoje abriga uma rota turística, foi cenário de uma batalha sangrenta entre as forças paulistas e as tropas federais nas proximidades do túnel de 998 m de extensão que divide São Paulo de Minas Gerais.
Relatos de pesquisadores indicam centenas de mortes de combatentes no local, inclusive a do tenente-coronel Fulgêncio de Souza Santos, comandante do 7º Batalhão da Força Pública de Minas Gerais.
Os registros indicam que ele foi assassinado perto do túnel quando paulistas tentaram invadir Passa Quatro. Até hoje, paredes do túnel guardam marcas de tiros disparados pelas tropas no período.
A localização da estação fez com que ela tivesse papel primordial durante a Revolução Constitucionalista de 1932, que ocorreu após descontentamento dos paulistas por não terem sido atendidos em seus pedidos de “constitucionalização” do país.
Decidiram, então, pegar em armas para lutar contra o governo de Getúlio Vargas (1930-1945), que saiu vitorioso.
O sistema ferroviário teve envolvimento direto com a revolução, e não só na divisa entre a paulista Cruzeiro e Passa Quatro, mas também em locais como a divisa entre Rifaina (SP) e Sacramento (MG).
Além de os trens transportarem tropas para as regiões de combate, do lado paulista da região da Mantiqueira uma locomotiva foi devidamente estacionada no túnel de forma a impedir o avanço de batalhões adversários, por exemplo.
Tropas paulistas conseguiram invadir Passa Quatro e, cinco dias após a deflagração do movimento, explodiram uma ponte ferroviária, conforme registros da Câmara local.
Assim como a Coronel Fulgêncio, outra estação na cidade, Manacá, operou como posto avançado de tropas federais na revolução de 1932. Era o local em que elas eram agrupadas para que pudessem ir para a zona de combate, na região da estação seguinte.
Tamanho envolvimento com um momento histórico para o país fez, na década passada, o Conselho de Patrimônio Histórico e Cultural de Passa Quatro criar uma campanha para pedir o tombamento do túnel ao Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
Não houve resultado até aqui, já que não consta nenhum registro no Iphan sobre o tombamento do patrimônio.
MEDALHA
A estação Coronel Fulgêncio entrou em operação em 1884, inicialmente chamada de Tunel, justamente por ficar próxima ao túnel que separava São Paulo e Minas Gerais.
Segundo a ABPF (Associação Brasileira de Preservação Ferroviária), foi ainda durante a revolução que ela recebeu o nome do tenente-coronel morto.
Fulgêncio também empresta o nome, desde 1985, a uma medalha do mérito entregue pela Polícia Militar mineira para homenagear integrantes da PM, instituições e personalidades que prestaram serviços relevantes.
TREM DA SERRA
A estação ferroviária foi inaugurada em 14 de junho de 1884, conforme a associação de preservação, e o ramal existente entre Cruzeiro e a mineira Três Corações foi desativado mais de um século depois, em 1991. A linha ficou abandonada até que a ABPF a assumiu e a restaurou em 2004.
Desde então, passou a oferecer o Trem da Serra da Mantiqueira, que parte da estação central de Passa Quatro, que pertenceu à ferrovia Rio-Minas, passa pela estação Manacá, em operação desde 1931, e vai até Coronel Fulgêncio, num percurso de 20 quilômetros (ida e volta), no alto da serra. A rota dura duas horas e custa a partir de R$ 66.
Hoje, o local é muito utilizado também por ciclistas que percorrem a Estrada Real. Surgida no Brasil Império para escoar os minérios extraídos do solo mineiro para o litoral do Rio de Janeiro, ela tem 710 quilômetros de extensão em seu caminho pioneiro e passa por cidades como São João del-Rei, Tiradentes e Passa Quatro.
Se do lado mineiro o trecho ferroviário está preservado e em operação, o mesmo não é possível afirmar do lado paulista, que está totalmente abandonado e vê o mato dominar o que resta dos trilhos.
O 9 de Julho é feriado em São Paulo desde 1997, quando o então governador Mário Covas (1930-2001) assinou o projeto de lei 9.497.
CRONOLOGIA DA REVOLUÇÃO
3.out.1930
É deflagrado o movimento que levou o gaúcho Getúlio Vargas ao poder. Ele assume um governo provisório depondo Washington Luís da Presidência da República
17.fev.1932
Os grandes partidos de São Paulo criam a Frente Única Paulista, que exigia nova Constituição para o país
23.mai
Quatro estudantes são mortos durante um protesto contra Vargas em São Paulo; de suas iniciais surge a sigla MMDC
9.jul
Militares antecipam a deflagração da mobilização, marcada para 14 de julho, pegando aliados de surpresa
22.ago
Primeiro combate aéreo no país, em Cruzeiro: dois aviões paulistas enfrentam dois aviões federais
12.set
O governo ocupa o porto de Santos, sob bloqueio desde o início da revolta, mas os combates seguem até dia 24
2.out
As tropas paulistas se rendem ao governo Vargas; líderes do movimento vão para o exílio
3.mai.1933
São realizadas eleições no país para a escolha da Assembleia Nacional Constituinte, demanda dos paulistas